
António Pires de Lima, ex-ministro da Economia, há muito que é praticante de golfe
Além de ser jogador de golfe há mais de duas décadas e meia, António Pires de Lima já se viu envolvido no golfe por outros meios (nunca como dirigente). Em Outubro do ano passado, coube-lhe, na qualidade de ministro da Economia já em cessão de funções, entregar o troféu ao vencedor do Portugal Masters no Oceânico Victoria Golf Course, em Vilamoura, uma prova cujo principal patrocinador é o Turismo de Portugal. Na ocasião disse que “independentemente do Governo que Portugal vier a ter em poucas semanas, não há razão nenhuma para que um evento tão importante para o país não tenha um acordo plurianual com o European Tour”. Ele sabe da importância que o golfe tem na economia portuguesa, dos mais 300 mil turistas que anualmente vêm a Portugal jogar golfe e que gastam perto de 300 euros por dia enquanto um turista normal gasta perto de €100, que as receitas directas do turismo de golfe são na ordem dos 600 milhões (só em voltas de golfe por estrangeiros são feitas 1,2 milhões por ano), que o Algarve sem golfe provavelmente “fechava” seis meses por ano. Daí ter defendido, como governante com a tutela do turismo, que o golfe, dentro de uma política de promoção de eventos bastante selectiva, devia jogar um papel fundamental e ser protegido. Mas o envolvimento de Pires de Lima no golfe deu-se também quando era administrador-executivo da Unicer no acompanhamento da execução das obras de requalificação do complexo do Vidago Palace que lhe pertence, e que além do hotel incluiu a ampliação do respectivo campo de golfe de 9 para 18 buracos de campeonato, respeitando a tradição cinquentenária deste percurso de Trás-os-Montes, perto de Chaves. Orgulha-se que o Vidago Palace se esteja a impor como um dos melhores resorts turísticos e de golfe de toda a Europa e, para ele, aquele campo e clube são os mais especiais a seguir ao “seu” Clube de Golf do Estoril.
No torneio Callaway Golf Days, a 13 de Maio, no Estoril... / © FILIPE GUERRA/NEVADA BOB'S
...com os seus parceiros nesse dia: Sofia Paiva, J. Talone e "Zézinho Sousa e Melo
Pergunta – Estou curioso para saber como começou tudo para si no golfe. Foi o primeiro da sua família a jogar?
Resposta – Acho que sim, pelo menos da minha família mais próxima. E começou talvez eu tivesse 30 anos, com uma brincadeira num encontro em Palma de Maiorca de quadros de uma empresa onde eu trabalhava (do sítio onde estávamos tínhamos acesso a um driving range). Desde que peguei no ferro o vício instalou-se em mim, ou melhor será dizer o desafio, porque o golfe era e continua a ser um desporto complexo e difícil.
O que o fascina?
É o desafio de me vencer a mim próprio, de me controlar. No golfe cada pancada ou cada buraco é uma experiência diferente, há dias em que jogamos extraordinariamente bem, não percebemos muito bem porquê, em que nos sentimos reis do mundo, para nos dias seguintes passarmos pelas experiências mais humilhantes. Esta volatilidade no golfe é uma coisa que me apaixona, e que faz com que este desporto seja permanentemente um desafio de superação individual. Depois há outras coisas que me atraem no golfe, como as companhias, jogo basicamente com amigos, o Eduardo Espinar, o tio João Nuno Magalhães, o João Talone, o José Vaz Pinto, o Tiago Cirne de Castro, só para citar alguns. Também é uma forma de distender depois de uma semana de trabalho, poder estar num ambiente bonito, cheio de verde à nossa volta e com pessoas de quem gostamos praticando uma concorrência e uma rivalidade que procura ser saudável.
Quem foram os seus instrutores?
As primeiras aulas tive-as no Estádio Nacional, curiosamente, com o Miguel Nunes Pedro, que hoje é o profissional do Clube de Golf do Estoril, do qual sou membro. Quando me tornei sócio passei a ter um acompanhamento aqui mais no Estoril, nomeadamente pela Mary Gallacher e o Carlos Aleixo, que entretanto faleceu. Foram os meus professores durante mais tempo. Continuo a ter aulas periodicamente, no Estádio Nacional, este desporto é tão exigente que se não quisermos piorar muito – não é melhorar – convém, uma vez por mês, pelo menos uma vez de três em três meses, ir à oficina perceber como é que alguns defeitos se voltaram a instalar no nosso swing.
O Estoril é o único clube de que é membro?
Sim, embora mantenha uma ligação muito próxima com o clube do Vidago Palace, porque foi um campo que foi reconstruído e que passou de 9 para 18 buracos no tempo em que eu era presidente-executivo da Unicer. É um campo de que me sinto parte, mas o meu home club é o Estoril praticamente desde que comecei a jogar golfe, até porque fica muito perto de onde moro há 20 e tal anos. Fundamentalmente jogo aqui no Estoril, por uma razão muito simples: é que procuro conciliar este meu desporto com a minha vida familiar. Eu tenho uma família grande, e portanto jogo geralmente ao sábado de manhã, às vezes, mais raramente, ao domingo de manhã, e procuro às 13h, 13h30 estar em casa para poder almoçar e estar com a família. Por isso, os torneios em que entro são quase todos aqui no Estoril.
Durante a entrevista na sala de jogo do CG Estoril / © FILIPE GUERRA/GOLFTATTOO
Tem alguma volta de golfe que considere ter sido a sua melhor de sempre?
Não é muito frequente, mas tenho às vezes momentos de inspiração que são uma luz de esperança na mediocridade do meu jogo. Já fiz dois holes-in-one em dois meses seguidos, o que é um feito para uma pessoa como eu. Um deles no buraco 8 do Estoril, outro no 13 ou 14 de Oitavos Dunes. Mas, enfim, a realidade volta rapidamente – e a realidade é que sou jogador que tira prazer do jogo mas absolutamente mediano, um 15 de handicap. Recordo um torneio em medal [por pancadas] no Estoril em que, tendo virado os primeiros 9 com um sensacional score, marquei 15 pancadas no buraco 12 (o mais irritante do campo), com quatro saídas para fora.
Já jogou com algumas grandes figuras do golfe mundial…
Lembro-me de ter jogado com o Paul Lawrie há uns anos. Mas aquele que me ficou mais vivo na memória foi o Padraig Harrington, com quem joguei em Outubro do ano passado no pro-am do Portugal Masters. Ganhou alguns majors e continua por vezes a fazer resultados fantásticos no PGA Tour. Foi uma óptima experiência, não tanto pela qualidade do nosso jogo, apesar de termos tido uma classificação meritória (não sei se ficámos em terceiro ou em quarto lugar nesse pro-am como equipa), mas sobretudo pela sua enorme simpatia e disponibilidade para ajudar e dar dicas. Não imaginaria que um jogador de topo, que ganhou tantos majors, pudesse ser tão disponível e tão humilde.
O seu envolvimento no golfe não tem sido apenas como jogador. Como ministro da Economia do anterior governo, com a tutela do turismo, coube-lhe em Outubro do ano passado entregar o troféu ao vencedor do Portugal Masters, o inglês Andy Sullivan…
O golfe é uma actividade fundamental, não só pelas receitas que cria, mas também porque, nomeadamente no caso do Algarve, mas não só, permite um alisamento da sazonalidade turística ao longo do ano. O Algarve tem características muito próprias durante os meses de Verão, mas tem turismo ao longo de todo o ano – e pode potenciar esse turismo, precisamente, por ter outras actividades que fazem dele um pólo de atração, de que o golfe é uma âncora absolutamente fundamental. Eu creio que tem havido essa consciência por parte dos diferentes governos, e, quanto ao governo que integrei, entendeu que o golfe, dentro de uma política de promoção de eventos bastante selectiva, devia jogar um papel fundamental e ser protegido.Daí o facto de a relação com o European Tour [circuito do qual o Portugal Masters faz parte] ser uma relação que tem sido preservada, mantida e até alimentada ao longo dos últimos anos de uma forma constante e que felizmente ninguém, independentemente da sua cor política, tem posto em causa.
Com Andy Sullivan no Portugal Masters 2015 / © FILIPE GUERRA / GOLF PRESS
Em 2011, o aumento do IVA no golfe de 6% para 23% foi um duro golpe para os campos portugueses, sobretudo porque na altura havia uma concorrência feroz de outros mercados, como Espanha, Turquia, Tunísia, Marrocos… O golfe em Portugal é uma actividade de exportação…
Eu percebo que na altura tenha sido um golpe, até porque as expectativas de muitos empresários era de poderem trabalhar com o IVA mais baixo, mas no final acho que foram capazes de contornar essa dificuldade. Isso é bem visível no crescimento que continuamos a ter de voltas golfísticas apesar de a taxa do IVA ser agora de 23%. Não se esqueça que a taxa do IVA para a hotelaria foi mantida a um nível mais baixo, nos 6%. Portanto, Portugal continua a oferecer um produto que mistura qualidade, beleza e exigência com competitividade do ponto de vista de preços que é praticamente único na Europa. Diz-me a experiência que é bem mais caro passar umas boas férias de golfe noutros países do que em Portugal.
É muito importante ter grandes eventos de golfe em Portugal, para manter a visibilidade do país enquanto destino de golfe. Entre 2007 e 2010, tínhamos três, o Open de Portugal (na zona da Grande Lisboa), o Portugal Masters (Algarve) e o Open da Madeira. Hoje em dia temos apenas um, o Portugal Masters, e com um prize-money reduzido a 2 milhões de euros quando era inicialmente de €3 milhões.
É talvez preferível ter um muito bom ou um grande torneio internacional em Portugal por ano do que dispersarmos os nossos recursos por vários torneios com menos cartaz e menos capacidade atrair grandes jogadores de golfe. Custa atrair os grandes jogadores de golfe, e eu acho que, contrariamente do que aconteceu com muitos outros desportos que tiveram de ser preteridos na política selectiva de grandes eventos, o golfe tem sido privilegiado ao longo dos anos por uma constância de investimento por parte do Turismo de Portugal, é isso que interessa prevalecer. Se os recursos, que por definição num país como Portugal são sempre escassos, devem ser dispersos por vários torneios ou concentrados num só, isso é uma decisão de carácter mais técnico, mas creio que a escolha que o Turismo de Portugal tem feito em coordenação com a Federação Portuguesa de Golfe se tem revelado acertada.
Durante o jogo no Callaway Golf Days / FILIPE GUERRA/NEVADA BOB'S
Na sua opinião, em contraponto ao sucesso do país como destino de golfe, qual a razão de estarmos estagnados no crescimento do número de jogadores nacionais em perto de 15.000 filiados na FPG?
Sabe, eu sou um praticante de golfe que se preocupa fundamentalmente em jogar e tirar prazer, mas obviamente penso também que não tem havido toda a capacidade possível para fazer um marketing do golfe junto das gerações mais novas. O golfe é um desporto muito exigente e eu percebo que para um jovem de 10, 15, 20 anos existam desportos que proporcionem uma adrenalina e imediatismo diferentes. Em qualquer caso, creio que para que possamos conquistar mais praticantes de golfe é muito importante que se possa massificar e tornar mais acessível a modalidade fora das classes ou das pessoas que praticam golfe. Acho que houve um esforço que se fez nos últimos 20 anos nesse sentido, mas parece que ainda estamos muito longe dos padrões que têm outros países. E acima de tudo existe uma certa disparidade entre aquilo que é a atractividade turística que o golfe proporciona em Portugal e aquilo que é o nível de praticantes dos portugueses. Creio também que temos de ter figuras de excelência no golfe, um desporto que não produz campeões não atrai multidões. As pessoas para se motivarem precisam de exemplos, precisam de heróis. É preciso investir e disciplinar os miúdos. E no caso do golfe português tem-nos faltado a capacidade de construir esse heróis que mobilizem mais a juventude. Tenho muita esperança de que o Ricardo Melo Gouveia, que está a fazer a sua época inicial no European Tour, possa afirmar-se. É um rapaz muito persistente, muito trabalhador, para além de ter obviamente uma grande qualidade e capacidade de jogo. Acredito que vai chegar longe.
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*A presente entrevista foi publicada originalmente no último suplemento “GOLFE” do jornal Público, dia 27 de Maio