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“Estipulei objectivos muito ambiciosos para a próxima época”
26/11/2025 22:16 Hugo Ribeiro
Ricardo Melo Gouveia: "Eu, numa época, no circuito europeu, gasto entre 200 mil a 250 mil euros"

Ricardo Melo Gouveia pede ao Governo que volte a apoiar o golfe e proclama que todos sentem falta do Portugal Masters

Nesta segunda parte da entrevista a Ricardo Melo Gouveia para o Golftattoo/Tee Times Golf Agency, o n.º1 português aborda temas importantes: desde os objetivos ambiciosos para o resto da sua carreira, a começar já por 2026 (algo sobre o qual já tinha falado na entrevista a Record), aos patrocinadores que têm-lhe sido fiéis, passando pelos elevados custos de uma carreira profissional a nível internacional, pela falta que faz o Portugal Masters, não se esquecendo de elogiar a criação do Timestamp Golf Tour.

Amanhã, Golftattoo/Tee Times Golf Agency publicará a terceira e última parte da entrevista.

 

 

 

GOLFTATTOO – Quando se olha para a tua carreira, destaca-se a tua vitória em Omã; O top-15 num evento da Série Rolex, no Dubai, no ano passado; O 3.º lugar no Genesis Championship de 2024, onde fizeste 16 abaixo do Par na Coreia do Sul; Também o teu melhor resultado – não classificação, mas resultado – de 17 abaixo do Par (8.º lugar), no Brabasol Championship, nos Estados Unidos, num torneio do PGA Tour. Não é que não tenhas bons resultados e classificações na Europa, aliás no Portugal Masters tiveste um 5.º lugar e um 7.º lugar, mas sentes que é fora da Europa que jogas melhor?

RICARDO MELO GOUVEIA – Foi uma coisa que mencionámos na reunião (de balanço de 2025) com a minha equipa. É um facto interessante. Acho que não é pura coincidência. Ainda não percebi exatamente o que poderá ser, mas penso que uma das razões é o facto de, fora da Europa, por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos, o tipo de relva, principalmente dos greens, é Bermuda. Ora eu estive quatro anos na Flórida (University of Central Florida) e pratiquei muito nesse tipo de relva. Na Ásia também há muita Bermuda, no campo do Barbasol também, tal como na Coreia. Portanto, há um denominador comum que leva-me a jogar melhor fora da Europa. Agora, tenho de conseguir arranjar a consistência necessária para jogar bem aqui na Europa, porque passamos metade do ano na Europa – tenho de melhorar nessa parte da época.

GT – Já falámos da época de 2025 (na primeira parte da entrevista), mas queria voltar à tua muito boa consistência nos primeiros cinco, seis meses do ano, mas faltou-te um top-10. Tens sido um jogador que regularmente vai fazendo top-10, até tens dois terceiros lugares no European Tour. Isso é um objetivo para o próximo ano? Fazeres mais top-10? E até eventualmente conseguires uma primeira vitória?

RMG – Sim, sim, sem dúvida, eu estipulei para a próxima época três ou quatro objetivos muito ambiciosos. Chamo-os de objetivos de sonho. São incontroláveis, mas um é ter a minha primeira vitória no DP World Tour, a outra é conseguir o cartão para o PGA Tour, ou seja, isso implica ficar entre os 10 melhores da Race to Dubai. São os meus objetivos para o próximo ano, claro que não consigo controlá-los e, por isso, chamo-os de objetivos de sonho. Depois, tenho objetivos que consigo controlar e que incidem em todas as áreas: técnica, mental, nutricional. Estas áreas que consigo controlar permitem-me atingir os objetivos de sonho. E para o ano, estipulámos em equipa, objetivos que chamámos de ‘ladder challenges’, que são os objetivos de processo para poder chegar aos objetivos de sonho. Um deles é fazer top-15, fazer top-20, fazer mais top-10 e ter a tal vitória. Também o número de cuts… ter um objetivo de passar um certo número de cuts é um bom marco. Quero chegar ao final da época e conseguir fazer um check na maior parte desses objetivos. É isso que irá proporcionar-me as melhores hipóteses de conseguir ter uma época mais consistente e à tal vitória.

GT – O DP World Tour diz que jogaste 31 torneios em 2025 – é o teu maior número de sempre, pois nunca tinhas jogado tantos torneios numa única época. Isso significa que fisicamente estiveste bem? É que 31 torneios em 52 semanas que um ano tem, é muito exigente.

RMG – Acho que fui, se não o jogador que jogou mais, o segundo jogador que mais competiu nesta época. Para além de ter-me sentido bem fisicamente e mentalmente, também (é preciso ver que) o calendário do circuito obriga-nos a séries de três ou quatro torneios, e depois a paragens de uma ou duas semanas. E isso encaixou bem comigo. Estava a sentir-me a jogar bem e queria jogar para não perder o ritmo de jogo. Para 2026 estou com a mesma ideia. Veremos como entro no ano. Vou começar na Austrália (inicia a época hoje, nesta quinta-feira), com as duas primeiras semanas (da época). Depois, tiro umas férias até o Natal e recomeço no Dubai (a 15 de janeiro). A partir do Dubai, onde entrar, é jogar o máximo de torneios, ganhar o máximo de pontos logo no início da época. Depois, a partir daí, é gerir de acordo como estou fisicamente e mentalmente.

GT –Tu foste o primeiro e único português a qualificar-se e a jogar o DP World Tour Championship (46.º em 2016). Pelo que estás a dizer-me, pelos objetivos que tens, parece-me que será um objetivo voltares a jogar esse torneio, essa final do circuito europeu. Mas não só, tudo diz-me que queres estar presente nas maiores provas mundiais. Começas a encarar a hipótese de apareceres em Majors?

RMG – Um dos objetivos que não mencionei há bocado, de sonho, é jogar o meu primeiro Major. Nunca joguei e não quero acabar a minha carreira sem ter essa experiência de, pelo menos, em primeiro lugar, chegar a esse patamar, e depois, mais tarde, tentar ganhar um Major. Será também um objetivo de sonho. Mas vou tentar, já este ano, conseguir um apuramento para o meu primeiro Major.

GT – Isso implica estruturar o teu calendário de forma diferente e olhares com atenção para aqueles torneios que servem de qualificação para Majors? E ires também aos qualifyings de Majors?

RMG – Este ano não joguei os qualifyings de Majors. Não sei se vou fazê-lo outra vez porque esssas qualificações calham sempre em dias que são de preparação para um dos torneios do European Tour. Se entrar por mérito, muito bem. Agora, sem dúvida que há torneios do circuito que têm lugares disponíveis para os Majors. Vou tentar jogar esses torneios e na Austrália já há um lugar para o Masters se não me engano, portanto vou tentar o acesso a partir daí.

GT – Este ano pouco jogaste em Portugal. No início do ano no PT Tour e depois não mais. O Portugal Masters desapareceu e não temos nenhum torneio no DP World Tour. Apareceste no Pro-Am do Campeonato Nacional – que ganhaste – e foste muito bem recebido por toda a gente. Sentes falta de jogar em Portugal?

RMG – Sinto muita falta. Tento sempre ao máximo poder estar presente, só que, muitas vezes, as semanas em que os torneios (do circuito profissional português) acontecem, ou não estou cá, ou estou, mas apenas uma semana e eu chego à segunda ou terça-feira, quero estar com a minha família, porque estive quatro semanas fora, e é complicado. Este ano ainda vou jogar na Aroeira (e competiu realmente no Pro-Am e na primeira volta), e só não vou conseguir estar no segundo dia porque coincide com a minha viagem para a Austrália. Vou tentar dar o máximo de apoio ao circuito nacional, pois merece e fez parte do meu percurso.

GT – Sim, de facto, recordo-me da tua emoção naquela vitória em 2020 no Campeonato Nacional Absoluto da FPG, no Oporto Golf Club. Deu-me a sensação que foi muito importante para relançar-te em termos de confiança para a tua carreira internacional. Calculo que tu percebas a importância que possa ter para o país este tipo de circuito. Este ano nasceu um novo circuito profissional em Portugal, o Timestamp Golf Tour. Claro que houve sempre provas de profissionais em Portugal. A própria PGA Portugal, fundada em 1990, começou logo a fazer torneios. Mas este circuito é especial porque é uma coorganização da FPG e da PGA Portugal…

RMG – … É muito importante para aqueles profissionais que não têm tantas oportunidades (de competirem) internacionalmente, mas que têm essa ambição. Assim, têm essa competição a nível nacional, que é muito importante. Peço que continuem a apoiar (o circuito). Acho que esta coligação da PGA Portugal com a Federação tem de acontecer e tem que continuar a acontecer. Foi importantíssimo acontecer, porque, só assim o desporto vai evoluir. Só assim poderemos criar um caminho entre os amadores e os profissionais. Tem de haver essa ponte. 

GT – Quando foste a Troia (ao Campeonato Nacional), gostaste do que viste?

RMG – Adorei. Disse logo ao Pedro Nunes Pedro, ao presidente da FPG, que temos de criar mais eventos e mais oportunidades em que juntemos os profissionais aos amadores. Mesmo amadores que não sejam de alto rendimento. Temos de criar esse clima, de haver essa ligação, só assim é que vamos conseguir levar o desporto lá para cima, e aproveitar esta onda positiva a nível mundial que o golfe está a ter. Todos os melhores desportistas mundiais de outras modalidades estão a jogar golfe. O golfe é um ‘hobby’ importante para eles e temos de aproveitá-lo.

GT– E o desaparecimento do Portugal Masters? Como reagiste? Jogavas quase sempre bem lá.

RMG – Tenho imensa pena. Aliás, este ano, tive várias reuniões com o European Tour, porque eles querem realmente ter o torneio de volta. Falei também com a Federação, tentei criar essa ligação, mas é preciso um apoio grande que tem que vir do Governo. Está a tentar fazer-se. Agora, os jogadores, o staff do European Tour, toda a gente pergunta porquê não se faz. Todos temos saudades do torneio. Era um torneio tão bonito, tínhamos tanto carinho… mas precisamos do apoio do Governo. Peço ao Governo que nos apoie, porque o golfe é um desporto que traz-nos muita receita e faz parte da nossa economia. Para mim, não faz sentido deixar de apoiar este desporto.

GT – Falando de apoios, como estás neste momento de patrocínios? Quando tiveste aquela fase em que tiveste resultados menos bons e tiveste de voltar ao Challenge Tour, sentiste que as empresas abandonaram-te? Ou, pelo contrário, houve patrocínios que mantiveram-se fiéis?

RMG – Quando cheguei a 77.º do ranking mundial, depois de ter tido aquele grande ano no Challenge Tour, abordei algumas empresas e não tive a resposta que achava que merecia na altura. Comecei com a Quinta do Lago em 2017, se não me engano. Eu cresci lá e o (campo) Laranjal foi feito em terrenos antigos da minha avó, que vendeu-os à Quinta do Lago. Portanto, tenho uma ligação muito especial com a Quinta do Lago. A Titeleist também tem-me acompanhado há muitos anos. Tive ali um ou outro patrocinador que acompanhou-me naquele início como profissional e depois decidiu não continuar. É legítimo, faz parte. Mas a Quinta do Lago apoiou-me sempre, nos bons e nos maus momentos. Tive a Rolex durante seis anos, foi importantíssimo, mas, infelizmente, os meus resultados não justificavam e eles, entretanto, perderam o Open do Estoril em ténis, ao passar de ATP Tour para Challenger (em 2025, mas voltará ao circuito principal em 2026) e, portanto, a visibilidade em Portugal já não era tão grande, pelo que decidiram afastar-se. Mas sinto que, mesmo hoje em dia, ainda é difícil chegar perto de potenciais patrocinadores e criar uma relação com eles.

GT – E este regresso do teu agente, o Rory Flanagan, do qual já falaste, também vai ajudar-te nesse sentido?

RMG – Acho que sim, isso vai ajudar. O Rory criou uma empresa dentro do golfe e tem bastantes contatos. Mas o mundo dele é mais internacional e eu estou a tentar criar relações com empresas em Portugal que se identifiquem comigo. Posso trazer algum valor a essas empresas. O meu objetivo principal é dinamizar o golfe em Portugal, levar o golfe a mais pessoas e mostrar que um português consegue chegar ao mais alto nível. Por isso é que ambiciono e tenho objetivos muito elevados. Não só porque acredito em mim, mas porque também tenho esse objetivo, muito ciente na minha cabeça, de ajudar o golfe em Portugal.

GT – Representas a Quinta do Lago no DP World Tour, mas vives em Lisboa e estás várias vezes em Lisboa. Onde treinas quando não estás no Algarve?

RMG – Quando estou cá, treino na Quinta do Peru. É onde sinto que tenho melhores condições. Também está lá o Pedro Figueiredo (o seu amigo de infância, que compete no HotelPlannTour), o meu irmão (Tomás, também milita no HotelPlanner tour), e, agora, também treina lá há um ano o Rafa Cabrera Bello (campeão de quatro títulos no DP World Tour). Mais recentemente, entrou também um belga do Challenge Tour. Temos ali um grupo bastante interessante e coeso. Em semanas sem torneios, podemos treinar juntos e competirmos ao mesmo tempo.

GT – A questão dos patrocínios leva-me a perguntar-te sobre o financiamento da tua carreira. Em 2025 tiveste a tua segunda melhor época de sempre em termos de prémios monetários (quase 393 mil euros). Os teus prémios monetários de carreira ultrapassam os 2,5 milhões de euros, mas não podes considerar-te milionário. É preciso explicar que os gastos são muito elevados.

RMG – Isso é um tema muito importante, porque sinto que as pessoas olham muito para esses valores que ganhamos e são públicos, mas, depois, esquecem-se dos gastos. No golfe pagamos todas as despesas do nosso bolso. Eu, numa época, no circuito europeu, gasto entre 200 mil a 250 mil euros. E isto para além das retenções na fonte, dos impostos. Há muitos locais em que a retenção na fonte ultrapassa os 30%. Agora, na Austrália, serão 35%. Em Portugal, paga-se 49% no nosso escalão. Portanto, estou longe de ser milionário, quem me dera. Para além disso, acabei de comprar uma casa e são mais gastos. Daí que todos os apoios e patrocínios sejam muito importantes para nós, atletas, atingirmos os nossos objetivos.

GT – Ou seja, pelas contas que apresentaste, eu estou a ver que, por exemplo, este ano, que foi a tua segunda melhor época de sempre em termos de prémios monetários, não permitiu-te sequer garantir o financiamento para toda a próxima época.

RMG – Sim, tenho que começar bem a época (e embolsar prémios), tenho de apoiar-me um bocadinho nos meus patrocinadores. Aliás, no ano passado (2024), antes da Coreia (o 3.º lugar rendeu-lhe quase 233 mil euros), tive ali um momento em que estive bastante à rasca e tive de pedir ajuda à minha família. Acabou por resolver-se com esse prize-money da Coreia. Mas isso é um bocadinho para as pessoas perceberem que as coisas não são o que parecem.

GT – Já te perguntei pela tua equipa técnica, agora reforçada, mas não falámos ainda de caddies. Como é que tu tens gerido isso?

RMG – Tive um caddie inglês (Nick Mumford) no início da minha carreira no European Tour. Estive com ele cerca de dois anos. Depois acabámos e eu mudei para outro caddie inglês, com o qual não fiquei muito tempo, até porque ele também deixou de fazer de caddie. Depois também caí para o Challenge Tour, e, pessoalmente, no Challenge Tour gosto de ir sozinho e sinto que não preciso desse apoio. Depois voltei ao European Tour e tive contacto com este meu caddie sul-africano. Já estou com ele há três anos, é o Brian (Shezy) e tem sido uma peça fundamental na nossa equipa. É uma pessoa incrível, muito otimista e especial em todos os aspetos, portanto uma mais-valia para a nossa equipa.

GT – E votamos ao mesmo, ou seja, muitas despesas dele são pagas por ti?

RMG – Eu pago-lhe um ‘fee’ semanal que ele depois gere. Para além disso, quando são viagens de longa distância, por exemplo, agora para a Austrália, pago-lhe metade do bilhete (de avião). E depois, pagamos uma comissão do prize-money que recebo. Uma comissão de 7% vai para o caddie. O treinador recebe outra comissão. As despesas do treinador também sou eu que pago, para além da comissão dos prize-money. São despesas que vão-se acumulando durante o ano.

 (Continua)