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“Se tivesse sido chamado teria jogado em Portugal”
05/01/2015 09:57 Hugo Ribeiro
A 17 de Abril após vitória no Elements Golf Club que lhe valeu um carro de prémio / © IGT PRO TOUR

A vida e o golfe de António Rosado (Jogador do Ano de 2014 no IGT Pro Tour) na África do Sul

António Rosado foi eleito Jogador do Ano (“Player of the Year”) de 2014 no IGT Pro Tour, um circuito satélite sul-africano em que competiu em 30 torneios na época transacta. 

Contactado por GolfTattoo, o Comissário (presidente-executivo) do IGT Pro Tour, Cois du Plooy, explicou que apesar de o português de 30 anos ter sido o n.º1 da Ordem de Mérito, não teria direito a qualquer troféu ou prémio especial: “A Ordem de Mérito é apenas uma questão de prestígio, mas fez com que fosse o Jogador do Ano”

Em 2014, o campeão nacional de 2009 ganhou 5 torneios, num deles foi premiado com um automóvel, e arrecadou 80.105,67 randes (5.633,74 euros). 

GolfTattoo publica em exclusivo a entrevista na íntegra que António Rosado concedeu depois de sagrar-se nº1 do IGT Pro Tour de 2014. Alguns excertos dessa entrevista foram publicados no Diário de Notícias de 2 de Janeiro, mas a maior parte da entrevista é inédita, com destaque para a vontade manifestada pelo algarvio de competir em Portugal, apesar das evidentes limitações da distância e não obstante compreender e concordar que não seja chamado mais vezes pela PGA de Portugal. 

GOLFTATTOO – Emigraste para a África do Sul em Dezembro de 2013, já lá vai um ano. Conta-nos as razões que te levaram a tomar essa decisão. 

António Rosado – As coisas não estavam muito bem em Portugal. A PGA tem feito um grande esforço, tem evoluído muito, mas é impossível viver com os prémios monetários dos torneios. Eu não tinha patrocinadores, o que dificultava ainda mais as coisas. Todas as despesas tinham de sair do meu bolso. Tentei dar aulas, mas nunca vi as portas muito abertas, senti que tudo era difícil e decidi arriscar. A minha namorada é daqui, da África do Sul, estivemos cá em 2012, eu sabia mais ou menos como eram as coisas e arrisquei. A Rita [Capelinha] nasceu na Cidade do Cabo e viveu em Portugal durante dez anos porque os pais tinham um negócio e agora voltou. Eu vivo em Joanesburgo, a uns 40 minutos de Pretória. 

Estás só a competir ou precisas de fazer outros trabalhos para sobreviver? 

AR: De momento estou só a jogar. Quando vim morar para cá pedi alguns contactos e um dos sócios de Vilamoura, o Bento da Silva, tem um grande amigo aqui que se chama Tony Pacheco, que me ajudou e é como que o meu pai daqui. Apresentou-me a um grupo de portugueses que jogam aqui, os Red Skins, levou-me aos campos onde ele costuma jogar, por exemplo, o Royal Johannesburg & Kensington, onde se joga o Joburg Open. Esses Red Skins são como um clube sem campo. Todas as terças-feiras jogam em campos diferentes. Graças a ele consegui arranjar um apoio dos Red Skins. Basicamente, eles pagam-me os custos de todos os torneios, foi uma grande ajuda para mim. São à volta de uns 300 sócios e quase todos portugueses. 

Como é que surgiu esse apoio financeiro? 

Quando cheguei aqui joguei alguns torneios e depois, em conversa com o Tony Pacheco, disse-lhe que queria jogar mais torneios, mas que em mini-tours gasta-se muito dinheiro e não se ganha muito. Ganha-se para as despesas mas não para sobreviver. E ele disse-me para eu apresentar uma proposta aos Red Skins. Eu fiz a proposta e enviei-a numa segunda-feira à noite. Na terça-feira eles foram jogar, tinham um jantar e pediram-me cinco minutos para falar comigo. Depois pediram-me algum tempo para conversarem e em dez minutos deram-me a resposta, dizendo que tinha o apoio deles. Eu disse-lhes na reunião que não prometia vitórias, apenas que iria trabalhar, mas logo nos três primeiros torneios que joguei depois de me darem o patrocínio, ganhei-os. Eles ficaram contentes. Depois, o meu objectivo passou a ser ganhar a Ordem de Mérito. “Para que vocês possam dizer que apoiaram um jogador que venceu a Ordem de Mérito”, disse-lhes.

Então agora jogas pelos Red Skins, com um equipamento deles? Tenho visto nas fotografias que nos primeiros torneios ainda aparecias com uns logos do tempo da Oceânico Golf, mas agora, já há alguns meses que as tuas fotografias mostram algo de bem diferente. 

Eu coloquei na proposta que jogaria com os logos deles, na roupa e em chapéus que mandei fazer, e eles arranjaram-me patrocínio de roupa, de um português que fabrica pólos. Essa pessoa deu-me 30 pólos, todos diferentes, com o logo dos Red Skins, é a marca Jonzac.

Em actuação rumo à vitória, a 3 de Abril, no Centurion Country Club / © IGT PRO TOUR   

Alguma vez falaste com o Daniel ou o David Silva sobre a tua ida para a África do Sul? E aí, as pessoas ainda se lembram deles? 

Nunca falei com o Daniel ou David sobre isto. Mas encontrei muita gente, muitos jogadores que jogaram com o Daniel, quando ele era amador. Alguns conhecem o David, mas muito mais o Daniel, aliás, o pai do Daniel foi um dos fundadores deste Red Skins

Quando olhamos para os teus ganhos monetários, ficamos logo com alguma apreensão, pois não chegaram a 6 mil euros num ano. Como consegues sobreviver? 

Os prémios não me permitem uma vida de luxo, mas há 3 ou 4 torneios por mês e de cada vez que ganho um torneio recebo 8 mil rands, o equivalente a um ordenado aqui. Dá para viver com esses 8 mil rands e ganhei isso em apenas três dias. Em Portugal, o Tiago ou o Hugo ganham um torneio e levam para casa uns 600 ou 700 euros, porque têm de dar 25% ao Estado, pagam todas as despesas daí. Portanto, ganharam um evento e levam muito pouco para o resto do mês. Aqui, com menos dinheiro, consigo fazer muito mais coisas. Outra coisa muito boa aqui é a segurança social. Aqui, ao aderir a um programa específico, não pago depois as consultas, mas também tenho preços especiais para frequentar ginásios para comprar determinado tipo de roupa, os impostos e a segurança social são a taxas muito mais baixas do que em Portugal. Aqui há ricos e pobres, é verdade, mas num trabalho normal ganhas 6 a 8 mil rands por mês. 

E ainda ganhaste um carro, não é verdade? É que foste nº1 de uma das “Races” cujo prémio era um automóvel. 

É outra coisa, em Portugal são só prémios monetários, mas aqui ganhei um carro. Em Portugal, um carro? Não vou dizer que seja impossível, mas não é muito normal. 

Portanto, em traços gerais, já valeu a pena teres emigrado? 

Cheguei aqui com 1500 euros no bolso. Ao fim de um ano tenho um carro, tenho um patrocinador que me paga os torneios e todo o dinheiro que ganho neles é para tratar da minha vida, que melhorou um pouquinho. De momento, não tenho nada a dizer. As pessoas são cinco estrelas. No Royal, onde fazem o Open, disseram-me logo que posso jogar à vontade, usar o campo de treino. Em todos os campos aqui à volta, basta-me apresentar-me e deixam-me logo jogar, o que é muito bom e não é normal darem essas facilidades a um jogador que não é daqui.

Cheque da vitória, a 10 de Outubro, no campo do Koro Creek Golf Estate / © IGT PRO TOUR

Que nível tem este IGT Pro Tour? 

AR: Acho que o nível é muito parecido com o do EPD Tour [o circuito germânico, agora rebaptizado de ProGolf Tour]. Há um grupo de 10 ou 15 jogadores que são bons e depois os outros que estão ali para encher o field. Eles foram inteligentes por conseguirem que os melhores amadores da África do Sul venham jogar estes torneios. Por exemplo, nos últimos dois torneios, joguei com o nº1 e o nº2 amadores, um deles o Zander Lombard, que foi 2º no British Amateur. O outro o Tristen Strydom que passou a profissional agora e já assinou um contrato com o IMG. É um circuito em que estamos a jogar com 10 Tós Rosados, 10 Tiagos Cruz, 10 Hugo Santos, 10 Gonçalo Pintos. Há um grupo de jogadores alargado, não é como em Portugal, onde sabes quem são aqueles três ou quatro jogadores que vão ganhar o torneio. 

Pelos teus resultados, parece ter sido a melhor época da tua carreira. 

Não sei se terá sido o meu melhor ano de sempre, mas faço as minhas estatísticas e noto que estão melhores do que em anos anteriores. Isso é verdade, mas temos de ver uma coisa, eu não me lembro da última vez em que joguei 29 torneios num ano. Teria, provavelmente, de voltar à minha carreira de amador, a 2006. Quando jogas muitos torneios, é normal que as tuas estatísticas melhorem. O meu nível de jogo está melhor, mas as condições de jogo também são melhores. 

Condições de jogo seguramente muito diferentes do que estavas habituado no Algarve… 

Em primeiro lugar, aqui, a bola voa muito mais longe e os campos mudam muito do Inverno para o Verão. Nunca pensei que fosse possível. Por exemplo, num Par-4, jogo de drive e ferro 4 e no verão estou a jogar drive e sand wedge! É como se jogasse um links mas com greens elevados. No Inverno não chove, está frio e os campos ficam muito castanhos. Eles só regam os greens e fazem-no a meio do dia, porque de manhã congela. Os greens estão duros porque a água não vai para baixo. Parecem estrada, alcatrão. Não sei explicar, porque nunca tinha jogado assim, nestas condições. Joguei em links mas os links têm vento e são planos, não é como aqui a subir e a descer. Em geral, os campos aqui são muito, muito bons.

A 26 de Fevereiro após triunfar no Krugersdorp Golf Club / © IGT PRO TOUR

Por outro lado, foste encontrar um país com uma tradição completamente diferente na modalidade. 

A realidade aqui é completamente diferente. Um mini-tour, que é o que eu tenho estado a jogar, o IGT Pro Tour, tem uns 35 torneios por ano. Cada torneio tinha à volta de 70 ou 80 jogadores. Há cultura golfística. Sabem o que se passa no golfe mundial e organizam os torneios em torno dos grandes eventos. Por exemplo, não fazem outros torneios em cima do Masters, não coincidem provas destas (IGT) com os torneios do Sunshine Tour. Tentam combinar o calendário, o que é muito bom. 

Não deverias ter ganho um convite com tudo pago para jogares a Escola de Qualificação do Sunshine Tour em finais de Janeiro? Afinal, foste o nº1 de 2014?! 

No início, era suposto ser assim, pagarem-nos a inscrição na Escola do Sunshine Tour. Como era suposto haver três races para um carro e só houve uma; como eram três races para torneios na América e só houve duas. Durante o ano, eles foram mudando muitas coisas. Neste final do ano fizeram uma race para a Sunshine Tour School, mas só o vencedor teve direito a isso. Eu vou jogar a Escola e pago do meu bolso. 

Deves estar a sonhar com essa hipótese de entrares no Sunshine Tour, que tanto prestígio tem em todo o Mundo… 

Houve uma coisa que me surpreendeu muito na África do Sul. No European Tour, passas a Escola, por ficares nos 30 primeiros, e tens o cartão para jogar. Aqui, tu ganhas o cartão para jogares qualifyings à segunda-feira. A conclusão a que chego é que o Tour está um pouco fechado para favorecer os jogadores mais velhos. Daí eles estarem sempre lá. Mas temos de aceitar, não há nada a fazer. É por isso que temos tantos jogadores do Sunshine Tour no IGT Pro Tour. São jogadores que não passaram o qualifying dessa semana. E também, se numa semana não houver Sunshine Tour, os jogadores desta área de residência vêm jogar os nossos torneios. Daí que se passar a Escola de Qualificação, irei continuar a jogar alguns torneios deste circuito (IGT). 

Como tens conseguido manter o teu nível de jogo ao longo do ano? Tens algum treinador que te ajude? 

Não tenho treinador. Tive vários treinadores na minha vida. Conheço bem os meus erros, sei bem o que preciso de fazer, mas há duas coisas que estou a fazer que talvez sejam a chave dos meus resultados este ano: por um lado, estou a fazer muita coisa que aprendi e treinei com o Sean Côrte Real. Alguns exercícios específicos e coisas a nível mental. Praticamente todos os dias faço esses exercícios. Por outro lado, estou a recorrer a algumas metodologias de treino que aprendi quando fui patrocinado pela CLC em Espanha. Faço determinados testes, avalio as percentagens, tenho um programa no computador que me vai dizendo o que tenho de treinar durante quanto tempo, ao longo de cada dia.

Êxito a 9 de Abril no Modderfontein Golf Club / © IGT PRO TOUR 

Sentes-te cada vez mais longe de Portugal, ou continuas a sentir-te próximo? Não vieste jogar os nossos torneios mais importantes porque não tinhas verba para as viagens? Pensaste nisso? 

Eu aprendi a jogar em Portugal e joguei em Portugal a minha vida toda. Convivi com o Ricardo [Santos], o Hugo [Santos], o Romeu [Gonçalves)], o Pedro [Lemos], o David [Moura], o Almerindo [Sequeira], o Zeca [Correia]. Convidaram-me [a PGA de Portugal] para jogar o Open da Madeira, mas pediram-me para responder em cima do tempo e eu não conseguia dar a resposta em dois dias. Mas gostava de ter ido. Se me tivessem convocado para o Portugal Masters com tempo de antecedência também teria ido. Para a Taça Manuel Agrellos, também estava à espera de alguma coisa, mas ninguém me disse nada e não iria aparecer aí na esperança de ir ou não. Se tivesse sido convocado teria jogado, desde que com antecedência, porque não consigo arranjar voos em dois ou três dias. Mas se me tivessem dado umas duas semanas, teria ido com todo o gosto. Tenho mandado todos os meus resultados de torneios para a PGA de Portugal. Mas a PGA tem os seus critérios e eu concordo com eles. Se for seleccionado, eu vou. Mas se não for seleccionado não posso fazer nada. 

Iremos ver-te em 2015 em Portugal? 

Depois da Escola de Qualificação do Sunshine Tour, vou jogar os qualifyings do Open da África do Sul e do Joburg Open e aí talvez regresse a Portugal, em finais de Fevereiro. Não sei se a PGA de Portugal terá torneios por essa altura, ainda não recebi nenhum e-mail, mas se houver algum torneio a decorrer talvez eu jogue.

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*Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico