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«Sempre que conheço alguém, falam-me dos Jogos Olímpicos – é um objetivo»
25/11/2025 20:15 Hugo Ribeiro
Ricardo Melo Gouveia está prestes a iniciar a sua oitava temporada no DP World Tour © FPG

Ricardo Melo Gouveia recorda os seus maiores sucessos e faz o balanço de 2025 com equipa técnica alargada

Ricardo Melo Gouveia (RMG) é o melhor português no ranking mundial de golfe há cerca de uma década. 

Foi nessa altura que começou a deixar de ser sistematicamente chamado de ‘Melinho’, o diminutivo carinhoso por que era designado no meio restrito do golfe, para passar a ser o Ricardo, às vezes apenas Gouveia, que tornou-se atleta olímpico de Portugal há nove anos. 

Esta semana, na Austrália, inicia-se no DP World Tour de 2026, será a sua oitava época como membro de pleno direito da primeira divisão europeia.

Uma boa altura para uma longa conversa com o único jogador português que foi top-100 mundial (77.º em fevereiro de 2016). 

Sejamos honestos, o primeiro contacto com RMG teve em vista uma entrevista publicada na semana passada na edição impressa do jornal Record. Mas as limitações do formato ‘em papel’, mesmo de uma página inteira, levaram a condensar uma conversa de mais de uma hora em cerca de 4 mil carateres. 

Ora o GolfTattoo e o Record são parceiros da Federação Portuguesa de Golfe, da PGA Portugal, das mais importantes competições de golfe em Portugal, pelo que fazia sentido que a conversa na íntegra (quase 50 mil carateres) fosse aqui publicada. 

É o que iremos fazer nesta terça-feira, dividindo a entrevista em três partes e inaugurando também uma nova iniciativa de GolfTattoo, uma série de entrevistas com figuras do golfe nacional, com o apoio da Tee Times Golf Agency, do empresário Carlos Ferreira.


 

GOLFTATTOO (GT) – Foi há exatamente 10 anos que estivemos em Omã, num dos maiores feitos do golfe português, a tua vitória na Grande Final do Challenge Tour e teres sido o n.º1 de 2015 desse circuito. Ainda te lembras disso de vez em quando? 

RICARDO MELO GOUVEIA (RMG) – Lembro-me perfeitamente. Aliás, tenho uma memória muito viva daquela última volta. Senti que o jogo não estava a correr muito bem nos primeiros 9 buracos, mas depois tive ali um momento em que entrei naquilo que se fala muito do estado de ‘flow’ e acabei por fazer 5 birdies seguidos e coloquei-me em posição de ganhar o torneio, fazendo-o depois naquele putt final no buraco 18 para Par, que deu-me a vitória. Foi uma semana incrível, um ano incrível, o melhor ano que tive até hoje e espero conseguir agora, nesta próxima época, ainda bater esse ano. 

GT – E são memórias que ajudam? 

RMG – Ajudam, claro, principalmente nas fases menos boas, em que uma pessoa, muitas vezes, perde um bocadinho aquele acreditar de que se consegue chegar aos objetivos que temos. E eu tenho-os muito ambiciosos. Olho para trás e percebo: OK, eu já consegui vários feitos muito bons neste desporto. É certo que foi na segunda divisão, mas por que não na primeira divisão? É o mesmo desporto. O nível, se calhar, é um bocadinho melhor no European Tour (hoje, DP World Tour), mas sinto que isso não me impede de ter vitórias no DP World Tour. 

GT – Quando olhas para trás, ainda consideras que é o teu maior feito desportivo? Ou há outras coisas que, entretanto, foste alcançando e que dão-te um orgulho ainda maior? 

RMG – Eu acho que foi o meu feito mais significativo no golfe. Não só essa vitória, mas também, eu diria, a primeira vitória no Challenge Tour (ainda em 2014). Acho que foi um momento muito importante na minha carreira, porque deu-me o acreditar de que conseguia. Passados apenas sete torneios de ter virado a profissional, consegui essa vitória, numa fase importante da época. Mas, sim, depois, no ano seguinte, consegui aquela consistência de resultados e ainda hoje é o recorde de prize-money numa época no Challenge Tour. É um feito de que me orgulho muito. Agora, quero passar isso para o nível acima, que é a primeira divisão onde estou. 

GT – Esses grandes resultados que tiveste em 2015, sobretudo essa Grande Final, foram uma alavanca muito importante para duas coisas muito grandes que fizeste na tua carreira: foste ao top-100 do mundial do ranking. E esse resultado foi muito importante para a qualificação para os Jogos Olímpicos do rio em 2016. Vês o top-100 mundial como algo que, se calhar, nunca mais voltas? Ou, pelo contrário, achas que é possível? E os Jogos Olímpicos? 

RMG – Eu já vejo os Jogos Olímpicos de outra maneira (do que antigamente). Quando qualifiquei-me para o Rio, claro que estava muito contente e muito orgulhoso, muito satisfeito, mas ainda era aquela coisa, OK, ainda não é aquele evento tão especial assim. Mas a experiência que tive no Rio, e depois a experiência que outros jogadores do circuito tiveram nos outros Jogos Olímpicos e que acabaram por partilhá-las comigo, deram-me uma visão diferente dos Jogos Olímpicos. Sempre que conheço alguém que me segue (redes sociais, etc.), falam-me dos Jogos Olímpicos. Portanto, hoje em dia olho para os Jogos Olímpicos como um objetivo que tenho, para além do top-100 Mundial. O top-100 Mundial é um objetivo que eu quero atingir já no próximo ano.

Ricardo Melo Gouveia nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro © COI

GT – Falaste aí de 2015 ter sido uma época no Challenge Tour em que foste muito regular. Daí também teres atingido o recorde mundial de prize-money de uma época nesse circuito. Esse era, de facto um dos teus pontos fortes. Eras um jogador extremamente regular, mesmo naqueles primeiros anos no DP World Tour ou European Tour. A regularidade era algo que via-se claramente no teu golfe. 

RMG – Sim, esse ano foi incrível. Para além das duas vitórias, tive três segundos lugares, nos quais tive muito boas hipóteses de ganhar esses torneios. E nos outros torneios também acho que falhei um ou dois cuts nessa época. Acho que falhei um cut, fiz muitos top-10, muitos top-15. Eu ia para cada torneio e dizia para mim próprio que, na pior das hipóteses, iria ficar em décimo. Estava numa bolha muito boa, muito positiva, de grande confiança e isso para um atleta é excecional. É difícil ter vários anos consecutivos assim, mas é para isso que trabalhamos todos os dias, para voltar a termos essas sensações, para chegarmos aos objetivos. 

GT – Isso leva-me à época que terminou agora, em que fizeste 16 cuts. Houve dois anos na tua carreira em que fizeste 18 cuts no European Tour, portanto, esta é a terceira melhor época de sempre em termos de cuts feitos. Estás a reencontrar essa regularidade? 

RMG – O início do ano foi muito positivo. Finalmente tive um arranque de época bom. Isso deixou-me um bocadinho mais confortável para o resto do ano. Tive uma segunda fase da época em que as coisas não aconteceram, apesar de eu sentir-me muito bem. Não aconteceram como eu queria e isso deixou-me bastante frustrado, mas pronto, faz parte do desporto. 

GT – Há alguma explicação? 

RMG – Já tive uma reunião de equipa há duas semanas em que analisámos e tentámos perceber o porquê de um início do ano tão bom e uma segunda fase da época diferente. Chegámos a boas conclusões, portanto, agora é começar a época outra vez da melhor maneira, focado e motivado, como estou. 

GT – Podes partilhar um pouco que conclusões foram essas? 

RMG – São coisas mais específicas, mais técnicas, são pequenos pormenores, mas vou guardá-los para mim, porque são detalhes mais pessoais, mas que, muito provavelmente, irão fazer a diferença este ano.

 

GT – Tiveste ali, de facto, um grande arranque. Nos primeiros três meses tens quatro top-20. Depois, há um quinto top-20 nos primeiros seis meses do ano. Já nos últimos seis meses o melhor que tens é duas vezes um 50.º lugar. Há, de facto, duas épocas muito distintas dentro de uma. 

RMG – Senti que na segunda parte da época perdi um bocadinho a consistência no meu shot ao green, de 130, 140 metros para dentro, que normalmente é o meu forte e que tinha corrido bem no início do ano. Também no putt de 2,5 metros para dentro, houve uma grande diferença do início do ano para a segunda fase do ano. Há aqui vários fatores, como relvas diferentes, tipos de velocidade de green, coisas às quais irei tomar mais atenção e já estou a trabalhar com o Eduardo Molinari (Ryder Cupper) em termos estatísticos. Isso dá-me uma realidade completamente diferente do que é o meu jogo e do que é que eu tenho de trabalhar. A nível de treino, o foco é muito mais direcionado para essas áreas em que tenho de melhorar, o que é ótimo. Também comecei a trabalhar com um treinador específico de putt que vai-me ajudar a ter mais consistência durante o ano. 

GT – Estou aí a ouvir falar-te de novidades. Por acaso, era uma das questões que tinha para fazer-te, que falasses sobre a tua equipa técnica completa, setor por setor. 

RMG – O treinador técnico continua a ser o Gonçalo Pinto, desde os tempos da Covid-19. O fisioterapeuta é o Rogério Machado. O preparador físico e também mental coach é o Tiago Boto, também há muitos anos. O agente, voltei a trabalhar com o meu antigo agente, o Rory Flanagan. O Sérgio Veloso é o meu nutricionista.  O Jaime Milheiro é o meu médico desportivo, trabalha no Porto, com alguns atletas olímpicos. O Dr. Jorge Câmara é o meu psicólogo e também o Dr. Miguel Costa, o meu fisiatra. Há três épocas, comecei a sentir uma dor na anca do lado esquerdo e foi-me diagnosticado uma artrose. A cartilagem vai-se desgastando, precisava de apoio nessa área e o Dr. Miguel Costa tem feito um trabalho ótimo. 

GT – Mas falaste do Eduardo Molinari, que tem três títulos no European Tour, jogou a Ryder Cup e foi campeão da Taça do Mundo de profissionais… 

RMG – … Sim, o Eduardo Molinari em termos estatísticos. É uma coisa recente. Começámos em julho ou agosto. Também tenho o Andy Paisley, o meu treinador de putts, anda no circuito, e comecei com ele em outubro. Senti que precisava de apoio nessa área, para tornar o meu putt mais consistente, se bem que melhorei muito este ano nessa área. 

GT – Vi uma série de dados que achei interessantes e gostaria que comentasses. Tiveste uma média de 71,43 pancadas por volta, o que acaba por ser a tua quarta melhor marca de sempre, não é nada mau e fica acima da média do Tour. Tens uma série de dados que estão acima da média do Tour em 2025. Em driving accuracy (59,95%), em greens em regulação (67,39%), em média de putts por volta (29,56%), em sand saves (54,90%). Mesmo em distância de driving (271,2 metros de média), que no Challenge Tour era um dos teus pontos fortes, ficas apenas um metro da média do Tour, não perdes para a concorrência. São dados que olhas e analisas com exaustão e cuidado? 

RMG – Sim, sem dúvida. Agora, com o apoio do Edoardo, ainda vamos mais ao fundo da questão. E em cada área dá para ver, por distância, no Driving, onde é que eu falho mais, direita ou esquerda. Em termos de distância, o Edoardo é mais preciso do que o que eles fazem no Tour, porque eles escolhem dois buracos do campo, normalmente em direções diferentes, em que normalmente os jogadores jogam o driver, mas, muitas vezes, os jogadores acabam por jogar madeira-3 e essa média que aparece no site do DP World Tour torna-se enganosa. Posso ter jogado uma madeira-3 e não o drive. Olho mais para o driving accuracy. E isso foi uma estatística muito boa que tive este ano. É normalmente o meu forte. Recuperei isso um bocadinho de 2024 para este ano. A parte do shot to green, dá para ver por várias distâncias e nas distâncias acima de 150 metros eu estive bem, mas nas distâncias de 150 metros para baixo perdi em relação aos outros jogadores. É um aspeto a melhorar. No jogo curto, no geral, estive bastante perto da média, mas há ainda trabalho a fazer. Em relação aos outros anos, senti-me muito melhor e progredi. No putting foi igual, estive bastante melhor e acima da média do European Tour. Mas na segunda fase da época, como já referi, houve distâncias de 1 metro a 4 metros em que não concretizei tão bem como devia e como tinha concretizado no início do ano. 

GT – Tiveste aquela que consideraste a tua melhor volta e sempre, no KLM Europe, na primeira volta, de 64. É algo que tu olhas como um objetivo? É este tipo de voltas que quero fazer mais vezes? 

RMG – Foi de 7 abaixo do Par, com um bogey no último. Foi uma volta em que senti-me bem do início ao fim. Tudo correu bem, estava no estado de ‘flow’ outra vez. E num dia em que estava vento, com períodos de alguma chuva, houve ali uma interrupção (pela chuva) que não me ajudou, mas lembro-me de, nessa interrupção, de volta à clubhouse, vários jogadores perguntarem-me se eu estava a jogar noutro campo. Foi uma volta que ultrapassou todas as outras voltas que eu tive na minha carreira em todos os níveis. É uma volta que eu gostaria de repetir mais vezes. Ter mais consistência e ter mais voltas nesse número, de 6 e 7 abaixo. Acredito que, melhorando estes pequenos detalhes, terei essa consistência. 

GT – É um ano em que fazes dois top-15, um deles num torneio da Rolex Series, um recorde nacional em eventos dessa categoria. Sentes isso como um marco que era importante passar? Ter um grande resultado num grande torneio? 

RMG – Sem dúvida. Principalmente no Dubai, um campo bastante exigente. Mas, ao mesmo tempo, um campo que, estando no meu jogo normal, ajusta-se muito bem às minhas características. Até me lembro de ter jogado um torneio do Pro Golf Tour na semana anterior e de não estar a sentir-me bem. Nem fiz grandes resultados, ia para o torneio um bocadinho desconfiado, mas fui acompanhado pelo Gonçalo Pinto, o meu treinador, que deu-me uma grande ajuda na preparação e fui ganhando confiança de dia para dia. Dei por mim no último buraco, em sétimo ou oitavo, no meio do fairway, num Par-5, em boas condições para ir para o green. Infelizmente, o shot não saiu como eu queria e fui parar à água, acabando com um duplo, mas esse torneio deu-me bastantes pontos logo no início do ano e bastante confiança para os torneios seguintes e para os meses seguintes. 

(Continua)